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Análise das controvérsias de aplicação da cláusula compromissória ao segurador sub-rogado

Eduardo Porto Lopes e Vitor Andre Lima Junqueira Ayres[1]


1. Introdução

A arbitragem é um dos melhores meios para resolução de litígios nas relações contratuais, sendo posta como o meio para negociação em diversos contratos. Nesse sentido, será discutida uma das mais polêmicas questões envolvidas no campo de estudo do direito dos seguros com a arbitragem: a transmissão da cláusula compromissória ao segurador sub-rogado. Isto é, uma seguradora não-signatária deve ser vinculada à cláusula da arbitragem pactuada pelo seu segurado com um terceiro, possivelmente, causador do dano? É um tema que apresenta divergências, tanto doutrinárias, quanto jurisprudenciais. O enfoque deste artigo é fazer uma análise dos posicionamentos da doutrina e das decisões judiciais que circundam tal tópico.

2. Aplicação da cláusula compromissória às seguradoras sub-rogadas: análise das divergências doutrinárias e jurisprudenciais

O entendimento da questão pode ser ilustrado por meio da seguinte situação: imaginemos que a empresa A firma um contrato com a empresa B, onde A se obriga a transportar os produtos de B, estipulando a arbitragem como o meio para a resolução de qualquer litígio gerado. A partir disso, um determinado produto da empresa B acaba sendo danificado durante o transporte. Após o sinistro, o segurador da empresa B a indeniza pelos danos causados e, posteriormente, exige seu direito de regresso sobre a empresa A (terceiro). Desse modo, o que se debate é se esse segurador estaria ou não vinculado à cláusula compromissória estipulada entre seu segurado e o autor do dano, por fundamento na sub-rogação legal oriunda do pagamento da indenização.


Quanto à legitimidade dessa vinculação, o STJ, ao apreciar o pedido de homologação da Sentença Estrangeira Contestada nº 14.930, entendeu que sim, existe legitimidade. A maioria dos Ministros determinou que a seguradora deve honrar a cláusula compromissória estabelecida no contrato de fornecimento segurado por ela, tendo que, por sua vez, obedecer à decisão arbitral. O caso se baseia em um pedido, formulado pela Alstom Brasil Energia e Transporte Ltda. no sentido da homologação de uma Sentença Arbitral Estrangeira pela Câmara Internacional de Comércio, em 2015. A empresa brasileira celebrou um contrato com a Alunorte-Alumina do Norte do Brasil S.A. para fornecer um sistema de geração de vapor, possuindo cláusula compromissória para a resolução de litígios. Devido à quebra de um dos tubos das caldeiras e os danos que se sucederam, a Alunorte acionou o seguro firmado pela Mitsui Sumitomo Seguros S.A, sendo indenizada pelos prejuízos gerados. Tendo em vista o direito de regresso desta seguradora e a existência de uma cláusula compromissória, inicia-se um procedimento arbitral que acaba por decidir a favor da transportadora Alstom.


Cabe ressaltar que os votos vencidos desta decisão invocaram o princípio constitucional da Inafastabilidade da Jurisdição — estipulado no art. 5º, inciso XXXV, da CF — afirmando que a sub-rogação de cláusula compromissória violaria esse princípio. Entretanto, deve-se considerar que a sub-rogação da seguradora está legitimada pelo art. 786 do CC, sendo um dispositivo determinante e que centraliza os argumentos da doutrina majoritária desta discussão.


Outro ponto relevante é o princípio da relatividade dos contratos (res inter alios acta neque prodest), isto é, a sub-rogação de uma seguradora não violaria esse princípio? Muito se debate sobre essas questões, mas fato é que os contratos de seguro acabam por abranger vários sujeitos que, muitas vezes, são estranhos ao negócio jurídico, como, por exemplo, terceiros causadores de dano. Assim, pode-se considerar que a seguradora manifesta a vontade do segurado — que celebrou um contrato com um terceiro — quando se tem a ocorrência de um sinistro, podendo ser considerada como um agente indireto da relação contratual.


De maneira similar à decisão do STJ citada, tem-se a apelação nº 0160745-58.2014.8.19.0001, de 2017, de relatoria da Des. Marília de Castro Neves Vieira, pela qual a 20ª Câmara Cível do TJRJ entendeu que a cláusula compromissória firmada no contrato originário celebrado pela segurada seria eficaz em relação à seguradora sub-rogada, uma vez que, com a sub-rogação, a seguradora tinha assumido os direitos e os deveres da segurada. Outro caso é o julgado paulista nº 0149349-88.2011.8.26.0100, de relatoria do Des. Tasso Duarte de Melo, da 12ª Câmara de Direito Privado, que entendeu que a cláusula compromissória estipulada no contrato originário era eficaz perante a seguradora devido à sub-rogação dos deveres e direitos declarados pela segurada. Isso pois, de acordo com o magistrado, "a seguradora assume a posição jurídica do segurado, ou seja, passa a ser vista como se contratante do transporte marítimo fosse e, por consequência, submetida às regras contratuais adrede assumidas.[2]


Quanto à doutrina, essa posição é defendida pelo Professor Anderson Schreiber, que ressalta a rigidez da sub-rogação legal prevista no art. 786 do CC e o vínculo eficaz da cláusula compromissória celebrada pelo segurado, salientando que, em regra, a seguradora não pode desprezar a arbitragem mesmo que não tenha concordado expressamente ou anuído com esse procedimento.[3] O advogado Ricardo Quass Duarte, por sua vez, invoca o art. 349 do CC, explicando que, se por meio da sub-rogação são transferidos todos os “direitos e ações” e se, originalmente, foi firmado que os “direitos e ações” deveriam ser realizados pelo procedimento arbitral, é inquestionável que a seguradora deve também observar o método de resolução de litígios estipulados pelas partes. Do contrário, haveria um desestímulo para as partes elegerem a arbitragem como forma de solução de controvérsias oriundas dos contratos, já que para se afastar a eficácia de uma cláusula compromissória, bastaria que uma das partes contratasse um seguro.[4] Nessa mesma linha, a professora Fabiane Verçosa, a partir de seu artigo “Arbitragem e Seguros: Transmissão da Cláusula Compromissória à Seguradora em Caso de Sub-rogação'', entende que a seguradora sub-rogada assume a posição que o segurado ocupava anteriormente, fazendo com que as obrigações permaneçam intactas em todos os aspectos, incluindo a cláusula arbitral, que acabará sendo transmitida à seguradora sub-rogada depois do pagamento da indenização ao segurado.[5] Vale mencionar que este artigo foi invocado pelo STJ para fundamentar a decisão tomada pela maioria dos Ministros no julgamento da SEC 14.930, citada no início do texto .


De maneira contrária aos posicionamentos citados, a 26ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro decidiu que a cláusula compromissória não se estendia à seguradora sub-rogada. Trata-se da apelação nº 0288717-06.2017.8.19.0001, onde uma seguradora — que assumiu a posição de sua segurada por meio da sub-rogação — ajuizou uma ação regressiva para que fosse ressarcida pela transportadora marítima, para reaver valores pagos a título de indenização ao segurado devido aos danos gerados pela transportadora no setor de transporte marítimo de carga. De acordo com a Desembargadora Relatora e os demais Desembargadores que participaram do julgamento na 26ª Câmara Cível, a sentença foi reformada com o entendimento de que os efeitos da cláusula compromissória não se estenderiam à seguradora na qualidade sub-rogada, nos seguintes termos: “(...) expandir os efeitos do pacto arbitral para a seguradora implicaria em estender indevidamente a renúncia à jurisdição estatal, limitando o direito de acesso à justiça da seguradora e, consequentemente, restringindo o próprio ressarcimento”. Em conformidade, decisões tomadas no mesmo sentido foram proferidas nas Apelações nº 1048345-39.2021.8.26.0100, julgada pela 23ª Câmara de Direito Privado do TJSP e nº 1002847-62.2018.8.26.0562, da lavra da 16ª Câmara de Direito Privado do TJSP.


Em relação à doutrina, tal posicionamento é sustentado pela professora Selma Maria Ferreira Lemes, defendendo a importância da interpretação restritiva dos efeitos da cláusula compromissória. O especialista em direito dos seguros, Paulo Henrique Cremoneze, segue com um posicionamento parecido. Em seu artigo “Ineficaz ao segurador sub-rogado a cláusula de arbitragem no exterior presente em contrato internacional de transporte”[6], ao fazer uma análise de uma das apelações anteriormente citadas, concorda com a decisão e salienta que sua contestação é específica e relativa ao segurador sub-rogado e ao contrato de adesão, concordando em grande parcela com o método arbitral que, caso consentido por todas as partes, deve ser observado. O autor entende também ser inaceitável a exigência unilateral da realização de um procedimento arbitral no exterior para a parte que não expressamente consentiu com o contrato.

3. Conclusão

A partir dos fatos apresentados, a resposta para essa discussão e para a pergunta formulada na introdução é: sim, majoritariamente, se entende que o segurador sub-rogado deve arcar com a cláusula arbitral firmada pelo segurado com um terceiro.


Os principais motivos para isso, como já esclarecido pela doutrina, são a força do art. 786 do CC, o fato de os contratos de seguro serem multifacetados e, por isso, incumbirem à seguradora um papel de agente indireto nas relações contratuais do segurado, sendo um papel que, de certo modo, está estipulado no art. 349 do CC quando lista as competências do credor que é sub-rogado e, por último, o fato de que o modo de resolução do litígio por meio da arbitragem em nada impacta o direito de crédito e de regresso da seguradora, pois caso isso ocorra, a cláusula compromissória se faria ineficaz (art. 786, §2º, CC).


No entanto, existe uma parte da doutrina que defende a ineficácia da aplicação desta cláusula pela sub-rogação, uma vez que, para eles, o princípio da Inafastabilidade de Jurisdição é ferido, afirmando que a interpretação desta cláusula deve ser efetuada de maneira restritiva. Além disso, argumentam que esse procedimento pode restringir o direito de crédito e de regresso ao negar, de certa forma, o acesso à justiça do segurador.


Portanto, o que se pode concluir é que, de fato, existem muitas controvérsias em relação a este assunto, mas é possível dizer com firmeza que ambos os lados possuem argumentos fortes para negar ou aprovar a aplicação desse tipo de cláusula ao segurador sub-rogado. Na prática, vai depender das particularidades e circunstâncias de cada caso e, diga-se de passagem, do posicionamento de cada magistrado.

 

[1] Graduandos na FGV Direito Rio. [2] COSTA, Daniel Mourão; GLATT, Michel. “A extensão (ou não) dos efeitos da cláusula compromissória ao sub-rogado nos contratos securitários: uma análise do acórdão proferido no âmbito da apelação cível nº 0288717-06.2017.8.19.0001, do TJRJ”. 2019. Disponível em: <https://www.editoraroncarati.com.br/v2/Artigos-e-Noticias/Artigos-e-Noticias/A-extensao-ou-nao-dos-efeitos-da-clausula-compromissoria-ao-sub-rogado-nos-contratos-securitarios-uma-analise-do-acordao-proferido-no-ambito-da-apelacao-civel-n%C2%BA.html#a3>. Acesso em: 05/06/2022. [3] SCHREIBER, Anderson. “Sub-rogação da seguradora em cláusula compromissória”. 2021. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2021-dez-09/seguros-contemporaneos-sub-rogacao-seguradora-clausula-compromissoria>. Acesso em: 05/06/2022. [4] DUARTE, Ricardo Quass. “Sub-rogação de seguradoras em cláusulas arbitrais e a segurança jurídica”. 2019. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2019-jul-04/ricardo-quass-sub-rogacao-seguradoras-clausulas-arbitrais#autor>. Acesso em: 05/06/2022. [5] VERÇOSA, Fabiane. “Arbitragem e Seguros: Transmissão da Cláusula Compromissória à Seguradora em Caso de Sub-rogação''. Revista Brasileira de Arbitragem, n. 11, a. 3, p. 46-55, jul.-set.-, 2006. Acesso em: 05/06/2022. [6] CREMONEZE, Paulo Henrique. “Ineficaz ao segurador sub-rogado a cláusula de arbitragem no exterior presente em contrato internacional de transporte”. 2022. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/depeso/357374/clausula-de-arbitragem-em-contrato-internacional-de-transporte>. Acesso em: 06/06/2022.

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