Tal e qual a sentença judicial, que possui seus elementos essenciais previstos no art. 489 do CPC, a sentença arbitral deve respeitar a forma escrita (art. 24) e, a teor do art. 26 da Lei de Arbitragem, deve ainda conter, obrigatoriamente: a) relatório; b) fundamentação; c) dispositivo; e d) data e lugar em que foi proferida.
O não atendimento dos requisitos indicados no art. 26 autoriza a nulificação da sentença arbitral, na forma do art. 32, III, da Lei de Arbitragem. A lei brasileira, como apregoado por Octávio Fragata Martins de Barros, “não admite renúncia dos requisitos formais por liberalidade das partes. Assim, os requisitos formais da sentença expostos no art. 26 da Lei de Arbitragem são obrigatórios, não cabendo nem às partes nem aos árbitros alterá-los de qualquer forma. A ausência de um desses requisitos é motivo para a nulidade da sentença arbitral”[4].
Nesse sentido, no direito brasileiro, a fundamentação é pressuposto de validade da sentença arbitral. É dela que se extrai a ratio das conclusões apresentadas no dispositivo. É a fundamentação que permite que as partes confirmem se suas alegações foram consideradas e se as provas apresentadas foram devidamente examinadas pelos árbitros, ainda que para descartá-las. Além disso, é a partir da fundamentação que as partes conseguem identificar eventuais vícios na sentença arbitral que possam justificar a apresentação de pedido de esclarecimentos (assim chamado o mecanismo semelhante aos embargos de declaração na arbitragem) ou até mesmo a propositura de ação anulatória. Corolário do princípio do devido processo legal, a motivação das decisões arbitrais representa verdadeira garantia para as partes de um julgamento justo e isonômico[5].
Sobreleva notar, todavia, que, conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: a) fundamentação contrária aos interesses das partes não é ausência de fundamentação[6]; b) o fato de a sentença ser concisa não significa, tampouco, ausência de fundamentação[7]; e c) a ausência de menção a dispositivos legais não significa que o julgamento foi realizado por equidade[8].
Ainda assim, há que se ter muita cautela para não se flexibilizar, em excesso, a exigência de fundamentação das sentenças arbitrais. É lembrar que, em geral, diferentemente do processo judicial, a via arbitral não admite recurso. Logo, não há espaço para que um órgão, de hierarquia superior, possa revisitar a decisão, para corrigi-la. Não se pode ignorar, de mais a mais, que a arbitragem é exceção à solução do conflito pela justiça estatal, fruto de escolha contratualmente feita pelas partes, sob a premissa, precisamente, de que o tribunal arbitral (ou o árbitro único, se for o caso), composto por especialistas na temática controvertida, terá maior disponibilidade para examinar os argumentos das partes e a prova dos autos. Recai sobre os árbitros, por isso mesmo, um ônus mais rigoroso de fundamentação, do que aquele que incide sobre o juiz togado.[9]
Registre-se, por relevante, que a fundamentação da sentença arbitral é exigência legal no Brasil, sem que se trate, contudo, de um princípio universal. É a forma exigida pelo art. 26, II, da Lei de Arbitragem. Opção legislativa, sem estatura constitucional.
O art. 1482 do Código de Processo Civil francês[10] segue o modelo da lei brasileira, estabelecendo que a sentença arbitral deve ser motivada. Nada obstante, a legislação estrangeira é repleta de exemplos em que a motivação das sentenças arbitrais pode ser dispensada pelas partes, no campo da autonomia da vontade. A título exemplificativo, a Lei Modelo da UNCITRAL (art. 31[2])[11], a Lei de Arbitragem espanhola (art. 37[4])[12], a Lei de Arbitragem Voluntária portuguesa (art. 42[3])[13], a Lei de Arbitragem inglesa (Section 52[1])[14], a Lei de Arbitragem da Índia (Section 31[3])[15] e a Lei de Arbitragem doméstica de Singapura (Section 38[2])[16] dispensam a fundamentação da sentença arbitral, se assim for convencionado pelas partes.
Isso se dá porque, na esfera estritamente privada, na seara dos direitos patrimoniais disponíveis, os contratantes podem renunciar livremente aos seus direitos, desde que as partes sejam capazes, o objeto seja lícito e a forma seja aquela prevista em lei. Assim, se a lei forasteira autorizar (ou não se opuser a) que a arbitragem seja encerrada por sentença desprovida de fundamentação, o julgado será válido, se assim for pactuado pelas partes. Escolha essa que pode ser feita, inclusive, para reduzir os custos com o procedimento.
Cabe perquirir, neste particular, se a sentença arbitral estrangeira, sem fundamentação, seria passível de homologação pelo STJ. No caso Newedge v. Manoelo Fernando Garcia, julgado em 2014, que tinha por objeto pedido de homologação de sentença prolatada nos Estados Unidos, com base na lei do Estado de Nova Iorque, orientou-se o STJ no sentido de que “a motivação adotada pela sentença arbitral e seus aspectos formais seguem os padrões do país em que foi proferida, não podendo sua concisão servir de pretexto para inibir a homologação do decisum”[17]. Ali, perceba-se, a decisão era concisa e não sem fundamentação. Nada obstante, o substrato teórico subjacente ao julgado revela que há espaço no STJ para admitir a homologação de sentença arbitral estrangeira, ainda que sem qualquer motivação. Com efeito, se o regramento aplicável à sentença é o do país em que é proferida, há que se admitir a licitude de sentença arbitral estrangeira sem fundamentação, caso exista previsão na lei respectiva.
Essa possibilidade (de validade de sentença arbitral estrangeira sem fundamentação) foi expressamente ventilada no STJ, em voto vencido do Ministro Massami Uyeda, no caso Kanematsu. No referido voto, o Ministro reconheceu a validade de sentença estrangeira sem fundamentação, prolatada nos Estados Unidos, segundo o regulamento da American Arbitration Association - AAA [18]. O tema, contudo, não foi apreciado pelo colegiado. Isso porque a Corte Especial do STJ, na forma do voto vencedor do Ministro Francisco Falcão, deixou de homologar a sentença arbitral forasteira, mas por outro motivo (qual seja, a ausência de compromisso arbitral[19]), sem adentrar na discussão da validade da sentença desprovida de fundamentação.
[1] Professor da FGV Direito Rio. Presidente do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem – CBMA e da Revista Brasileira de Alternative Dispute Resolution – RBADR. Presidente da Comissão de Arbitragem dos BRICS da OAB Federal. Master of Laws pela New York University – NYU. Mestre em Direito da Regulação pela FGV Direito Rio. Sócio Fundador do Schmidt, Lourenço & Kingston - Advogados Associados. Procurador do Município do Rio de Janeiro. [2] Doutor e Mestre em Direito Constitucional e Teoria do Estado pela PUC-Rio. Pós-Doutor em Direito Processual pela UERJ. Vice-Presidente de Assuntos Acadêmicos do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem - CBMA. Professor da Universidade Cândido Mendes, da EMERJ e do Mestrado da Ambra University. Research Fellow no The Baldy Center for Law & Social Policy da SUNY Buffalo Law School. É ainda Editor-Chefe da Revista Brasileira de Alternative Dispute Resolution - RBADR. [3] Visiting Scholar pela Fordham University School of Law. Doutor em Direito pela UVA/RJ. Mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela PUC/RJ. Professor Titular de Direito Administrativo do IBMEC. Professor do PPGD/UVA. Professor de Direito Administrativo da EMERJ. Professor dos cursos de pós-graduação da FGV e da Universidade Candido Mendes. Membro do Instituto de Direito Administrativo do Estado do Rio de Janeiro – IDAERJ. Presidente do Conselho Editorial da Revista Brasileira de Alternative Dispute Resolution – RBADR. Procurador do Município do Rio de Janeiro. Sócio fundador de Rafael Oliveira Advogados Associados. [4] BARROS, Octávio Fragata Martins de. Como julgam os árbitros: uma leitura do processo decisório arbitral. São Paulo: Marcial Pons, 2017, p. 211. [5] Vide CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo: Um comentário à Lei nº 9.307/96. 3. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2009, p. 370. [6] STJ, REsp 1.636.102, Terceira Turma, Min. Rel. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 01.08.2017. [7] STJ, AgInt no AgInt no AREsp 1.143.608/GO, Terceira Turma, Min. Rel. Moura Ribeiro, julgado em 18.03.2019, DJe 20.03.2019. [8] STJ, REsp 1.636.102, Terceira Turma, Min. Rel. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 01.08.2017. [9] Octávio Fragata Martins de Barros, sob uma perspectiva distinta, chega à mesma conclusão. Veja-se: BARROS, Octávio Fragata Martins de. Ob. cit., p 220. [10] Article 1482 - La sentence arbitrale expose succinctement les prétentions respectives des parties et leurs moyens. Elle est motivée. [11] Lei Modelo da UNCITRAL: Artigo 31.º Forma e conteúdo da sentença arbitral - (2) A sentença será fundamentada exceto se as partes acordarem que não haverá fundamentação ou se se tratar de uma sentença proferida com base em um acordo entre as partes nos termos do artigo 30. [12] Lei nº 60/2003: Artículo 37. Plazo, forma, contenido y notificación del laudo. 4. El laudo deberá ser siempre motivado, a menos que se trate de un laudo pronunciado en los términos convenidos por las partes conforme al artículo anterior. [13] Lei nº 63/2011: Artigo 42 - Forma, conteúdo e eficácia da sentença - 3 - A sentença deve ser fundamentada, salvo se as partes tiverem dispensado tal exigência ou se trate de sentença proferida com base em acordo das partes, nos termos do artigo 41. [14] English Arbitration Act de 1996: 52 - Form of award (1) The parties are free to agree on the form of an award; (2) If or to the extent that there is no such agreement, the following provisions apply; (3) The award shall be in writing signed by all the arbitrators or all those assenting to the award; (4) The award shall contain the reasons for the award unless it is an agreed award or the parties have agreed to dispense with reasons; (5) The award shall state the seat of the arbitration and the date when the award is made”. [15] The Arbitration and Conciliation Act of 1996: Section 31 – Form and contents of arbitral awards - (3) The arbitral award shall state the reasons upon which it is based, unless— (a) the parties have agreed that no reasons are to be given, or (b) the award is an arbitral award on agreed terms under section 30. [16] Act 37 de 2001 – Chapter 10: “Form and contents of award - (2) The award shall state the reasons upon which it is based, unless the parties have agreed that no grounds are to be stated or the award is an award on agreed terms under section 37”. [17] STJ, SEC 5692-EX, Corte Especial, Min. Rel. Ari Pargendler, julgado em 20.08.2014, DJe 01.09.2014. [18] STJ, SEC n. 885/EX, Corte Especial, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 18.04.2012, DJe 13.08.2012. Vide, a propósito da questão, o seguinte trecho do voto-vencido do Ministro Massami Uyeda: “Destaca-se, por oportuno, que, ao contrário do que sustentou a Requerida em sua contestação, a ausência de fundamentação na Sentença Arbitral se deve ao fato de que no procedimento adotado pela American Arbitration Association - AAA admitir-se a emissão de laudo sem conter uma declaração de motivos, a menos que a parte se manifeste em contrário, como restou destacado pelo Árbitro em seu Laudo e no Procedimento para Resolução de Litígios Comerciais da AAA (fls. 106 - tradução e 111 - original e 309/310 - tradução e 326-original). Enfim, preenchidos os requisitos necessários, impõe-se a homologação da Sentença Arbitral Estrangeira”. [19] Confira-se: “SENTENÇA ESTRANGEIRA CONTESTADA. JUÍZO ARBITRAL. AUSÊNCIA DE PROVA QUANTO A SUA ELEIÇÃO. ARTIGO 37, INCISO II, DA LEI N. 9.307/96. I - Não trazida aos autos a prova da convenção de arbitragem, não é possível homologar-se laudo arbitral. II - Observância à norma contida no inciso II do artigo 37 da Lei n. 9.307/96. III - Pedido homologatório indeferido.” (SEC 885/EX, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, CORTE ESPECIAL, julgado em 18/04/2012, DJe 13/08/2012).
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