Peter Christian SESTER[1]
A tese principal defendida neste curto artigo é a de que se faz necessária a criação de um subsistema da arbitragem societária, a fim de aumentar a segurança jurídica e a eficiência das arbitragens que têm como base uma cláusula compromissória estatutária. Por arbitragem societária, entendemos todas as disputas submetidas ao juízo arbitral mediante uma convenção de arbitragem estatutária (artigo 3º, da Lei de Arbitragem c/c artigo 109, § 3º da Lei das S.A.).
Quais seriam os pilares de um subsistema da arbitragem societária? Podemos dividi-los em três:
O efeito erga omnes da sentença arbitral e os requisitos para que ele lhe seja conferido.
A publicidade do pedido de instauração das arbitragens com base em cláusula compromissória estatutária, a publicidade das sentenças arbitrais proferidas (parciais e finais), e a responsabilidade do requerente e da companhia por tal publicidade.
A concentração dos processos arbitrais que digam respeito (i) à mesma classe de acionistas e mesma causa de pedir (artigo 254-A, da Lei das S.A.), (ii) à mesma deliberação da assembleia geral e (iii) à interpretação do mesmo artigo do estatuto social.
Os três pilares da arbitragem societária – o efeito erga omnes, a publicidade (parcial) e a concentração de procedimentos – efetivam o principio do devido processo legal e as garantias que dele irradiam (e.g. ampla defesa, contraditório, isonomia na escolha dos árbitros), bem como restringem a autonomia privada (e.g. publicidade obrigatória). Portanto, a forma mais segura de criar dito subsistema de arbitragem societária seria por meio de alteração legislativa, incluindo, por exemplo, o seguinte artigo 136-B na Lei no 6.404/1976 (“Lei das S.A.”):
Art. 136-B. Observados os requisitos estabelecidos nos parágrafos deste artigo, as sentenças arbitrais proferidas para solucionar litígios submetidos ao juízo arbitral, mediante convenção de arbitragem estatutária a que se refere o artigo 136-A desta Lei, têm efeito vinculante para todos os acionistas, a companhia e os membros dos órgãos da companhia, independentemente da sua participação no processo arbitral.
§ 1º. O(s) requerente(s) e a companhia deve(m) publicar o pedido de instauração de procedimento arbitral no prazo de 3 (três) dias, contado da protocolização do pedido na câmara de arbitragem competente.
§ 2º. A publicação a que se refere o § 1o deste artigo deverá ser acompanhada da informação de que todos os acionistas, membros dos órgãos da companhia e a própria companhia podem se juntar a um dos polos do procedimento arbitral no prazo de 30 dias, contado da data da protocolização do pedido.
§ 3º. A arbitragem será́ sempre institucional, com sede no Brasil, e a sentença arbitral, seja ela parcial ou final, deverá ser proferida no Brasil.
§ 4º. A íntegra da sentença arbitral deve ser publicada pela companhia e/ou pela instituição de arbitragem na qual transcorreu o procedimento, dentro do prazo de 3 (três) dias, contado da protocolização da sentença na câmara de arbitragem competente.
§ 5º. Depois de ter um acionista ou um grupo de acionistas protocolado pedido de instauração de arbitragem, os demais acionistas perdem o direito de requerer a instauração de uma nova arbitragem sobre os mesmos fatos e pedidos, a não ser que o primeiro pedido não tenha sido devidamente publicado nos moldes dos §§ 1o e 2o deste artigo.
§ 6º. Para os fins do parágrafo anterior, entende-se como “pedido de instauração de arbitragem” o primeiro pedido protocolado na câmara de arbitragem escolhida como administradora do procedimento arbitral.
§ 7º. A regra do § 5o se aplica especialmente a demandas:
I – de anulação de deliberação da assembleia geral; II – que versem sobre a qualificação ou interpretação do mesmo artigo do estatuto social; III – que versem sobre o mesmo direito patrimonial; e IV – que versem sobre a responsabilidade dos membros dos órgãos da companhia, da própria companhia ou do controlador, seja a demanda baseada nesta lei ou no Código Civil.
À luz da segurança jurídica e da eficiência do instituto da arbitragem, somos, a princípio, contra uma fragmentação da arbitragem comercial em subsistemas, a não ser que tal fragmentação excepcionalmente aumente a segurança jurídica e/ou a eficiência do processo arbitral (e.g., arbitragem que envolve a administração pública). De qualquer forma sustentamos a tese que um subsistema de arbitragem societária aumentaria tanto a segurança jurídica quanto a eficiência de procedimentos desse tipo.
[1] Professor Peter Christian Sester; Dr. iur. habil. (Heidelberg/Marburg); Dr. rer. pol. (Humboldt-Universidade Berlin); Árbitro e Parecerista; Vice-presidente do CAM-CCBC; Autor dos livros International Arbitration: Law and Practice in Brazil (Oxford University Press) e a Lei de Arbitragem Comentada (Quartier Latin).
Comments