Nelson Eizirik[1]
A Lei das S.A. (Lei 6.404/76), em seu artigo 265, disciplina os grupos de sociedades, constituídos mediante uma convenção pela qual elas se obrigam a combinar esforços e recursos para realizar os respectivos objetos, ou a participar de empreendimentos comuns. São os “grupos de direito”, em oposição aos chamados “grupos de fato”, aqueles integrados por sociedades relacionadas por meio de participação acionária, sem que entre elas exista uma relação contratual. Nos dois casos temos os denominados, na prática dos negócios, “grupos econômicos”.
A abrangência da cláusula compromissória – instrumento contratual que obriga as partes a submeter seus conflitos à arbitragem – em grupo de sociedades vem sendo objeto de muita discussão. O “leading case” sobre a matéria foi julgado em 1982, de acordo com as regras do Regulamento da Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional – CCI – no precedente denominado “Dow Chemical vs. Saint-Gobain”. No caso, o tribunal arbitral decidiu que um grupo de empresas tem, a despeito da personalidade jurídica de cada sociedade que o integra, uma realidade econômica única, que deve ser levada em consideração para a definição da competência do árbitro. Assim, entendeu que a cláusula compromissória subscrita por uma das sociedades do grupo deveria vincular as demais, em razão do papel que desempenharam na conclusão, execução ou resilição do negócio jurídico.
O reconhecimento da unidade econômica do grupo não deve, porém, levar automaticamente à extensão da cláusula compromissória firmada por uma das empresas que o integra às demais. A existência do grupo, de acordo com a doutrina, deve ser conciliada com outros requisitos, apurados em uma análise eminentemente fática, que são os seguintes: a sociedade não signatária deve ter desempenhado papel ativo nas negociações das quais decorreu o acordo em que foi inserida a cláusula compromissória; deve ter se envolvido na execução do contrato no qual consta a cláusula compromissória; e/ou sido representada, efetiva ou implicitamente, no negócio jurídico.
Entre nós a jurisprudência dos tribunais ainda é escassa sobre o assunto, mas observa-se certa tendência de se admitir a flexibilização da abrangência da cláusula compromissória quando celebrada por uma sociedade integrante de um grupo. A previsão de forma escrita para a convenção arbitral, prevista na Lei 9.307/96, não deve constituir obstáculo intransponível para a sua extensão em grupos de sociedades. Com efeito, a exigência de cláusula compromissória expressa em nosso direito deve ser vista como requisito meramente probatório, não integrando a substância do ato.
É certo que a matéria ainda não está pacificada em nosso sistema jurídico, o que somente ocorrerá com a formação de uma jurisprudência arbitral e judicial uniforme sobre a matéria.
[1] – Advogado, parecerista, árbitro, professor da FGV. O texto abaixo constitui um resumo da seção de comentários ao artigo 265 da Lei 6.404/76, contido no nosso “A Lei das S.A. Comentada”, terceira edição, no prelo.
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