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Descompassos de Planejamento como Origem de Conflitos em Arbitragens de Construção Civil

César Henrique Silva Diniz[1]


A palavra “planejar” vem do latim planus, que significa nivelar ou colocar em um mesmo patamar, e costuma ser utilizada em contextos em que se pretende designar metas para a consecução de determinado objetivo. Estabelecer um planejamento é o ponto de partida para a realização de qualquer projeto, pois é o momento em que são fixadas as etapas, os prazos, os preços e as produtividades necessárias para a obtenção do resultado que se pretende atingir.

O planejamento é essencial para o gerenciamento de projetos de construção e infraestrutura, não por fornecer uma resposta para todas as adversidades que porventura se verifiquem no decorrer da execução da empreitada, mas por prover um norte a ser seguido. Assim, não se pode esperar que o planejamento seja cumprido à risca do início ao fim de uma grande obra de construção, mas as falhas ou desvios de planejamento são capazes de comprometer a qualidade da obra e torná-la muito mais custosa e demorada do que o necessário.

As falhas podem ocorrer de diversas formas, como por exemplo, por meio de desenhos ou projetos deficientes ou inexequíveis, prazos irreais ou mal dimensionados, condições vagas e pouco detalhadas, má aferição da produtividade dos recursos, pessoal inadequado para o tipo de projeto, atrasos em efeito cascata, alocação irracional de ônus contratuais e até mesmo escolha errada do construtor.

Os desvios, por sua vez, estão relacionados à ocorrência de riscos externos e internos que prejudicam a execução da obra nos moldes planejados. Por mais que as partes envolvidas tenham elaborado um planejamento adequado, não se pode perder de vista que a ocorrência de fatores não considerados é inerente à execução de obras complexas de engenharia.

Citem-se, como exemplo de riscos externos, a instabilidade político-econômica, as dificuldades de financiamento, variações cambiais, comportamento dos fornecedores, flutuações de preços no mercado, mudanças nas condições climáticas, topográficas e hidrológicas. Por sua vez, os riscos internos dizem respeito ao comportamento das partes que podem inviabilizar a execução do planejado, tais como alterações unilaterais de atividades e serviços, atraso na obtenção de autorizações e licenças, projetos entregues intempestivamente e/ou deficientes e o inadimplemento de uma ou de ambas as partes.

As consequências das falhas e desvios de planejamento são diversas, tais como aumento no escopo de serviços, retrabalhos, paralisação da obra até que se verifiquem as possibilidades de correção do planejamento, improdutividade dos equipamentos e da mão-de-obra, serviços mal executados, aumento no prazo de duração e dos custos da operação, dentre outras. Via de regra, essas consequências dão origem a dois grandes tipos de conflitos entre os contratantes, relacionados ao aumento do preço e do prazo de duração da obra[2].

Extensão de prazo costuma, inclusive, ser diretamente proporcional ao aumento de custos para as partes. Para o construtor, a ampliação de serviços e prazos representa aumento nos custos diretos e indiretos, tais como manutenção e depreciação de equipamentos, gastos e remuneração de trabalhadores, manutenção do canteiro de obras, entre outros. Por outro lado, a necessidade de inclusão de serviços e extensões de prazos também prejudica o dono da obra, que espera poder utilizar-se da obra no prazo estabelecido e, com base nele, firma outros contratos com terceiros interessados no empreendimento[3].

Fato é que ambas as partes são prejudicadas quando o planejamento é falho ou descumprido, mas o comum é que nenhuma delas faça um mea culpa, sob pena de, além de ter que arcar com seu próprio prejuízo, ter de indenizar a parte oposta[4].

E, quando os interesses se tornam irreconciliáveis, é recomendado que os contratantes busquem auxílio de profissionais especializados, capazes de compreender as peculiaridades de uma obra de engenharia para aferir em que medida cada um deles contribuiu para as falhas e desvios do planejado. Com efeito, é bastante comum que as partes busquem a arbitragem para equalizar os prejuízos relacionados a descompassos no planejamento, pelos quais nenhuma das partes pretende se responsabilizar.

A arbitragem propicia uma solução de problemas adequada à complexidade técnica que os litígios de construção civil demandam, pois é possível que as partes elejam árbitros familiarizados com projetos de engenharia e com as ferramentas técnicas de gerenciamento da obra, algo que não se pode exigir de um juiz estatal. Tanto é assim, que os modelos contratuais da International Federation of Consulting Engineers (FIDIC) recomendam a utilização da arbitragem em vez da jurisdição estatal para a resolução de conflitos na construção civil.

O tribunal arbitral deve ser capaz de compreender certas especificidades de projetos de engenharia, bem como os documentos-chave criados diariamente por dezenas de profissionais, como relatórios de obras, trocas de e-mails e atas de reuniões em que são tratados assuntos técnicos da obra. As disputas sobre prazos e qualidade dos serviços demandam avaliação de todo o planejamento da operação, de cronogramas complexos e de depoimentos de especialistas. Igualmente, os conflitos que envolvem custos da obra necessitam de análises de medições, perícia contábil, das condições do mercado e até mesmo dos padrões climáticos para reivindicações de força maior[5].

Em síntese, os árbitros devem possuir conhecimento de causa para identificar se o planejamento foi capaz de fazer frente às necessidades da obra e, em caso positivo, qual dos contratantes foi responsável pelo(s) descumprimento(s) que deu(ram) origem ao conflito. Em situações de culpa recíproca, os árbitros devem ser capazes de analisar todas as variáveis necessárias para se aferir em que proporção cada um dos contratantes foi responsável pelas falhas ou pelos desvios do planejamento, a fim de se estabelecer uma compensação justa.

Por isso, a inclusão de cláusulas compromissórias passou a ser a regra em contratos de infraestrutura e construção civil, o que se reflete na proporção de litígios dessa natureza nas câmaras arbitrais brasileiras. Por exemplo, mais de 50% das arbitragens na CCI em 2019 discutiam matérias de construção civil e energia[6], enquanto na CAM-CCBC esse percentual foi de 22%, no mesmo ano[7]. As câmaras arbitrais e seus regulamentos permitem às partes e aos árbitros a flexibilidade necessária para acomodar a natureza única das disputas de construção de grandes obras, dentro do objetivo de se resolver o litígio de forma tecnicamente adequada, valendo-se de árbitros com significativa experiência em conflitos dessa natureza.

 

[1]Graduando em Direito na UFMG e em Economia na PUC Minas. Estagiário em Gilberto José Vaz Advogados. Membro do CIArb YMG e do YIAG. [2]MARCONDES, Fernando. Consequências da falta e dos desvios de planejamento. In: MARCONDES, Fernando (org). O Direito da Construção no Ambiente Internacional. São Paulo: Almedina, p. 12-25, 2019. [3] BREMEN, James; AMMAR, Leith Ben. Contractors’ Claims, Remedies and Reliefs. In: BREKOULAKIS, Starvros; THOMAS, David Brynmor (ed.). The Guide to Construction Arbitration. 3 ed. London: Law Business Research Ltd, p. 61-76, 2019. [4] MARCONDES, Op. cit. [5] KIEFER, David; COLE, Adrian. Suitability of Arbitration Rules for Construction Disputes. In: BREKOULAKIS, Starvros; THOMAS, David Brynmor (ed.). The Guide to Construction Arbitration. 3. ed. London: Law Business Research Ltd, p. 129-135, 2019. [6] LEMES, Selma Ferreira. Arbitragem em Números e Valores. Disponível em: http://selmalemes.adv.br/artigos/Analise-Pesquisa-ArbitragensNseValores-2020.pdf. Acesso em: 12. nov. 2021. [7]Informação disponível em: https://ccbc.org.br/cam-ccbc-centro-arbitragem-mediacao/arbitragem-estatisticas/. Acesso em 12. nov. 2021.

 
 
 

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